6 de mayo de 2019

Por Aquiles Negrete Yankelevich. ComCiência. Labjor
Existe uma variedade de autores contemporâneos pertencentes a uma nova geração de escritores populares de ciência que estão recorrendo à narrativa e à ficção, fazendo uma ponte entre as duas velhas culturas – ciências e humanidades – (Snow, 1956) e, com isso, oferecendo ao público um caminho seguro e atrativo ao conhecimento científico.

As narrativas proporcionam uma maneira precisa de representar e comunicar o conhecimento; um detonador emotivo efetivo; uma estrutura para a memória de longo prazo; e uma poderosa ajuda para a aprendizagem (Brunner, 1988; Gough, 1993; Sánchez, 1998; Gutierrez, 2001; Wright, 2001; López, 2003; Weitkamp, 2007; Jansen, 2008; Negrete, 2009; Iacono e de Paula, 2011). Apresentar informação científica por meio de contos, romances, tiras cômicas e peças de teatro deveria ser considerada uma maneira importante de transmitir o conhecimento no repertório dos comunicadores de ciência.

Há múltiplos exemplos de uso da ciência como tema da narrativa, mas será que todos são úteis para disseminar o conhecimento científico? A resposta é: não necessariamente. Em trabalhos anteriores (Negrete, 2014b) destaquei a importância de explorar com maior profundidade quais são as características necessárias a um texto narrativo destinado à comunicação científica. Do meu ponto de vista, a comunicação da ciência através de formas narrativas deve cumprir com uma série de regras, como ocorre em outros gêneros narrativos como a novela policial, o gênero de terror, a novela histórica, a ficção científica etc. Nesse sentido, sugeri que a “narrativa divulgativa” ou “narrativa SciCom” (Negrete, 2014a) poderia considerar-se como um novo subgênero com características próprias, e que, para tanto, é importante gerar mais conhecimento que nos permita oferecer um corpo teórico sólido em torno dela (Negrete, 2014c).

A seguir apresento um decálogo que pode servir como ponto de partida para discutir as características que devem estar numa narrativa destinada à comunicação da ciência ou narrativa SciCom.

Decálogo das narrativas SciCom

I-Crê num mestre – Poe, Maupassant, Kipling, Chéjov, Darwin, Newton, Einstein, Watson e Creek como na própria divindade. É importante notar neste primeiro ponto do decálogo de Quiroga (ver mais adiante o decálogo de Quiroga) que além dos escritores que ele menciona foram agregados cientistas famosos para dar ênfase no aumento da complexidade do gênero, porque os deuses, nesse caso, provêm também da ciência.

II-Os 9 pontos restantes que o mestre Quiroga propõe, sem modificação (exceto no ponto X onde, para a narrativa SciCom, é fundamental pensar no público).

III-A ciência deve ser central para o desenvolvimento da trama e não somente parte da ambientação. Quanto mais próximo do ponto central da trama está a ciência contida na narrativa, mais memorável resultará (Negrete, 2009).

IV-A ciência contida na narração deve ser correta (distorcer a ciência como recurso para gerar ficção não forma parte deste gênero). Existem exemplos de extraordinárias narrativas como as contidas no livro Cosmicômicas de Italo Calvino (Calvino, 1969) onde o autor obtém contos extraordinários (A espiral) mas que alteram a ciência para conseguir os efeitos e os mundos desejados. É evidente que a intenção do autor não era comunicar ciência e que não é possível aprender ciência deles para o leitor comum.

V-Deve manter clara a lista de princípios ativos (ciência a comunicar) antes de começar a escrever. Caso contrário é muito provável que a ciência perca hierarquia em relação ao ponto central da trama, que se torne cosmética e que o relato derive a rumos não desejados (Negrete 2009; Negrete 2014b).

VI-A narração deve demonstrar “por que” é interessante ou importante a ciência, e não assumir que “porque o autor parece interessante” serve para todo mundo .

VII-Há que criar frases, títulos e tropos ligados à ciência que sejam memoráveis. Em estudos realizados com contos foi observado que a ciência ligada ao título da obra, a uma frase atraente ou algum tropo narrativo (metáforas, alegorias, rima, ritmo etc.) é mais lembrada (Negrete, 2009).

VIII-As narrativas devem ser medidas quanto à sua capacidade de comunicar ciência (Negrete 2014c).

IX-As narrativas devem ser atraentes em seu aspecto literário e artístico (não basta que contenham informação científica).

X-As narrativas SciCom representam um novo gênero híbrido, uma espécie de cyborg em construção. Sua crítica e avaliação requerem parâmetros distintos das narrativas tradicionais.

Horacio Quiroga

(1879-1937)

Decálogo do contista perfeito

I-Crê num mestre — Poe, Maupassant, Kipling, Chejov — como na própria divindade.

II-Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhe em dominá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirá sem que perceba.

III-Resiste o quanto possível à imitação, mas imite se o impulso for muito forte. Mais que qualquer outra coisa, o desenvolvimento da personalidade requer paciência.

IV-Tenha fé cega não em tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que deseja. Ama tua arte como tua noiva, dando-lhe todo o coração .

V-Não comece a escrever sem saber desde a primeira palavra aonde queres chegar. Em um conto bem feito as três primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.

VI-Se quiseres expressar com exatidão esta circunstância: "Desde o rio soprava o vento frio", não há na língua humana mais palavras que as apontadas para expressá-la. Uma vez dono de tuas palavras, não te preocupes em observar se apresentam consonância ou dissonância entre si.

VII-Não adjetives sem necessidade. Inúteis serão quantos apêndices coloridos aderirem a um substantivo fraco. Se encontrares o certo, somente ele terá uma cor incomparável. Mas é preciso encontrá-lo.

VIII-Toma teus personagens pela mão e leve-os firmemente até o final, sem ver nada além do caminho que traçastes. Não te distraias vendo o que a eles não importa ver. Não abuses do leitor. Um conto é um romance sem aparas. Tenha isso como uma verdade absoluta, mesmo que não seja.

IX-Não escrevas sob o domínio da emoção. Deixe-a morrer, e então a invoque. Se fores capaz de revivê-la tal como a sentiu, terás alcançado na arte a metade do caminho.

X-Não penses em teus amigos ao escrever, nem na impressão que tua história causará. Escreva como se teu relato não interessasse mais ninguém senão ao pequeno mundo de teus personagens, do qual poderias ter sido um. Não de outro modo se obtém a vida do conto.

Futuro da narrativa SciCom

A narrativa está presente em diferentes meios de comunicação, não somente no conto e no romance. Dado o nível de analfabetismo funcional de muitos países em desenvolvimento, possivelmente o futuro das narrativas divulgativas se encontrem no cômico, na rádio, nos interativos (jogos), na televisão e nos audiolivros.

Espero que os esforços que estamos levando a cabo para impulsionar a narrativa divulgativa ou narrativa SciCom como um gênero emergente e promissor resultem em produtos narrativos cada vez mais atraentes, competitivos e eficientes, que compitam com a voracidade de outros meios de comunicação que não oferecem mais que estéril entretenimento. Gostaria de ver aumentar a popularização deste tipo de literatura entre o grande público. Que vejamos com maior frequência narrativas que façam chegar ao público informação urgente de ser comunicada em um mundo cada vez mais demandante de um cidadão articulado nos temas de ciência e tecnologia.

Aquiles Negrete Yankelevich é pesquisador associado do Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en ciencias y humanidades CEIICH da Universidad Nacional Autónoma de México (Unam).


Bibliografia

Bruner J. S. 1988. “Two models of thought”. In: Language and literary from an educational perspective, N. Mercer (Ed.), Open Univesity Press, Oxford, pp. 365-371.
Calvino, I. (1969). Cosmicomics. London: Picador.
Gough, N. (1993). Laboratories in fiction: science education and popular media. Geelong: Deakin University.
Gutiérrez Rentaría M.E. (2001). “La comunicación en América Latina: Informe de México”. Revista latinoamericana de comunicación Chasqui 74. Disponível em: www.comunica.org/chasqui/gutierrez74.htm
Jansen, M. (2008). “Learning about environmental issues with the aid of cognitive artefacts”. SSKKII-publications Technical report 200.01. Goteborgs Universitiet.
López R. (2003 ). “ De la historieta Rosa al pornocómic”. Revista Mexicana de Comunicación 81. Disponível em: www.mexicanadecomunicac ion.com.mx/tables/rmc/rmc81/historieta.html
Negrete A. 2009. So what did you learn from the story? Science communication via narratives. VDM Verlag & Co. ISBN 978-3-639-193556-5
egrete A. (2014a) Tell me how much science you can tell. Lambert Academic Publishing. Saarbuken, Alemanha.
Negrete A. (2014b) “La ciencia de contar cuentos y el método RIRC”. Centro de Investigacion es Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades ( C E II C H) de la Universidad Nacional Autónoma de México (Unam). México.
Negrete A. (2014c) “Narrar la ciencia”. Centro de Investigaciones Interdisciplinarias en Ciencias y Humanidades (CEIICH) y Dirección General de Divulgación de la Ciencia (DGDC) de la Universidad Nacional Autóno ma de Mexico (Unam). México (en prensa).
Sanchez Mora, A.M. (1998). La divulgacion de la ciencia como literatura. Mexico, D.F.: Direccion General de Divulgacion de la Ciencia Unam.
Snow, C.P. 1998. The two cultures. Cambridge: Cambridge University Press.
Weitkamp, E. and Burnet, F. (2007) “The chemedian brings laughter to the chemistry Classroom”, International Journal of Science Education, 29:15, 1911-1929
Wright, B (2001). Comic book nation: the transformation of youth culture in America. Johns Hopkins University Press.

Tradução Marina Gomes